quarta-feira, 18 de junho de 2008

peixinhos indígenas

Bem, vou deixar de enrolar e começar logo a contar as minhas aventuras por aí.

Só pra situar quem não me conhece, já que esse blog é muito famoso e tenho o Brasil e o mundo inteiro querendo saber das minhas aventuras, sou produtora cultural desde que me entendo por gente. antes não tinha esse nome, mas assumi esse rótulo quando fui trabalhar com o Balé Popular do Recife e depois, com o Quinteto Violado.
Tenho isso com profissão desde 1999.
Já andei o Brasil quase todo (menos a região norte) com esses meninos que carinhosamente chamo de bebês. Agora estou num momento freelancer, que está me rendendo aventuras em universos diferentes.

Pra quem não sabe o que é um produtor cultural, eu facilito o entendimento. É uma babá de artistas. Costumo dizer também que ser produtor é brincar de gincana.

Vou começar por uma história que já se tornou um clássico.

"peixinhos indígenas"

Um projeto da Fundação Quinteto Violado que me rendeu muitas histórias foi o "cantos do semi-árido", onde a gente procura um ícone cultural, normalmente em cidades bem pequenas e vai lá, NA CASA DA CRIATURA, registrar a sua arte em CD ou DVD.

A minha missão dessa vez era gravar um grupo de índios Fulni-ô.

Não sei se tenho sorte ou azar com índios, mas tenho muitas histórias..

conheci o líder desse grupo num evento em Olinda.
Toinho (baixista do quinteto e secretário de cultura de Olinda, na época) me apresentou a ele, que respondeu ao meu sorriso de "oi tudo bem" com um contundente "quem é vc?".
(O fato é que a comunidade indígena tem sido usurpada e pisada todos os dias pela comunidade dita de brancos e para toda ação, há uma reação, né?)

Resumindo a ópera, a criatura disse que só ia gravar se fosse conhecer a minha casa pra saber quem eu era.

Levei ele até a Fundação. Mostrei fotos e Cds dos outros produtos do projeto. Tudo Ok. sou boa nisso.

Marcamos a gravação a ser realizada na própria aldeia, sabe Deus como (gincana é gincana!) e o índio, agora meu chapa, disse que estaria me esperando com peixinhos fritos, pescados por ele mesmo.

Na data prevista fomos até a aldeia.

íamos chegar lá às 8h.
Atrasamos.
Chegamos lá ás 10h.
Pegamos ele na casa dele e fomos procurar um lugar que tivesse menos ruído.

Passamos o dia todo entrando e saindo de lugares que tinham muito carro, muito passarinho, muito vento... Ai meu Deus!!! Me deu uma canseira só de lembrar.

Conseguimos achar esse lugar (acreditem) às 18h. Devolvemos o cara na sua casa, onde estavam os seus 5 filhos e a sua esposa.

quando fui me despedir ele falou:
-Epa! Espera! E os peixinhos? não vai comer??? Eles estão prontos desde as 07h da manhã!!!

Ui! Não poda dizer não. Como todo bom produtor, pensei rápido.
-Equipe! Vem aqui!
convoquei a todos para participar do banquete.

Sentei no sofá. Lá vem o pratinho com cinco peixinhos fritos desde 07 da matina!!! Peguei, botei no meu colo e pensei: relaxa...os índios daqui são urbanizados... Esperei um pouco e ele falou:
-não vai comer?

Era exatamente o que eu temia!!!
O único talher que me foi apresentado foi uma colher que servia pra pegar a farinha em outro pratinho, colocar na mão e jogar pra dentro da boca, sabe como é?

Gente, já andei o Brasil todo. Sou capaz de sobreviver 5 anos comendo só pão com manteiga, mas tenho VERDADEIRO HORROR a comer PEIXE COM A MÃO!!!!!! ( a minha filha e a minha mãe são o extremo oposto. odeiam comer peixe de talher.)

Respirei fundo. Peguei o peixinho e comi.
Uma delícia. De verdade! Muito bom mesmo! Ele é um excelente cozinheiro!!!

O problema é que não conseguia parar de pensar na mão engordurada... o peixe travava na garganta.
Consegui comer um inteirinho.
A minha equipe comia gemendo, se deliciando. Aí eu pensava : SOU MUITO FRESCA MESMO!!!

Assim que acabou a minha batalha, rapidamente, falei:
-tava ótimo (e tava mesmo!). Onde eu posso lavar as mãos?

Ele pensou um pouco e disse:
-Aqui.
me mostrando uma bacia um pouco maior que um prato de sobremesa com uma água que tava ali fazendo não sei o quê.

Mergulhei a mão, olhei em volta, não havia sabão, detergente ou coisa que espumasse, por perto.

A produtora pensou rápido de novo: vou tirar a gordura na toalha.

o índio pensou mais rápido ainda e sacou uma camiseta do ombro de um dos seus filhos que passava por ali e falou:
-enxuga aqui.
-Obrigada.

É importante registrar que o resto da equipe (éramos 5) lavou a mão na mesma água e tirou a gordura na mesma camiseta (que devia ser tamanho 5, infantil).

quando saímos ele falou: amanhã vou fazer um assado pro café da manhã. (UI!!)

No dia seguinte tomamos um farto café da manhã no hotel que estávamos hospedados, que fica a 1h da aldeia, e chegamos ( estrategicamente, porém sem maldade) atrasados.

Assim que nos avistou, nosso amigo falou:
-Poxa, vida!!! Vcs atrasara e o grupo comeu todo o assado.

fiquei triste.
Querem saber o que foi que eu perdi?

TRIPA DE BODE ASSADA COM JACA MOLE!!!!
ah! tudo pra ser comido com a mão, é claro.


Ps: Esse índio hoje é um grande amigo meu. Um guerreiro da cultura que admiro e apoio. o CD ficou lindo. todo cantando na língua deles com a letra e a tradução no encarte. Foi gravado numa casinha no meio do nada com eles cantando e dançando com microfones até nos pés.

9 comentários:

Ido disse...

Beleza de estréia!!! Coisa de artista ... ou de babá deles. Parabéns pelo primeiro de muitos textos, já que histórias é que não lhe faltam. Beijo pequena!

Tell Aragão disse...

e eu já joguei um prato de buchada embaixo de um armário...
situações parecidas, mas com o jornalismo... mas, não essas histórias que valem a pena? claro que são!

carlinha navarro disse...

ô rapaz, carinho é uma coisa que às vezes nos deixa em maus lençóis, né?

Unknown disse...

Na realidade, o seu "blogário" tem um autêntico estilo cordelista SEM OS ERROS comuns do gênero. Creio, mesmo, que atinge várias finalidades, desde expor uma possibilidade de contar "causos", até sugerir um contrato como produtora. Quem sabe, aqui em Canoa Quebrada, você enriquecerá os sNeus assuntos... fiquei muito alegre com os registros (até o do "vomitório dos peixinhos")

Unknown disse...

Pois é... filha de peixe... até nas situações engraçadas... imagine que eu comi peixinho que me deram embrulhado em um jornal e chupei cana que estava sendo guarnecida por mosquinhas maranhenses...Essa é a sua mama...

carlinha navarro disse...

dá pra notar que o primeiro comentário é do papa e o segundo é da mama, né?
mosquinhas maranhenses... será que eu tenho a quem puxar?

GH disse...

Bravo, Pirralha!
O universo bloguístico esperava ansioso pela sua estréia!!

Agora, todos nós, leitores, esperaremos ansiosos por cada novo texto, cada nova história, cada nova roubada vivida por vc!

Mãos à obra! Use o teclado e o mouse como talheres, mas deixe que a gente deguste seus deliciosos quitutes discursivos da vida real de um produtora porreta!

carlinha navarro disse...

cabelo,
o que não falta é história pra contar.
prepare o estômago!!!

GH disse...

Oba!!